19 de maio de 2011

O impacto de Rushdoony Parte - 1

O Impacto de Rushdoony sobre a Escatologia


Martin G. Selbrede
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto


   Pós-Milenismo. A escatologia que ensinava que o mundo inteiro seria convertido a Cristo antes do Seu retorno em glória e a introdução da eternidade. A visão que tratava a Grande Comissão como sendo maior que os limites da imaginação debilitada do homem. A idéia que Jesus Cristo seria um dia literalmente o Salvador do Mundo (João 4:42) ao atrair todos os homens para Si (João 12:32).

   Pós-Milenismo. No começo da década de 1970, era a comédia das escatologias: não tinha nenhum respeito. Era a escatologia que ninguém levava a sério. Os pós-milenistas eram vistos como os defensores da terra quadrada no mundo da escatologia. Eles eram desprezados como anti-bíblicos, sobre a autoridade de eruditos dos outros campos, que rotularam os pósmilenistas como estando seriamente em desacordo com a Escritura e com o mundo no qual vivemos. A teoria era irrealista, desacreditada, sem fundamento e privava a Igreja da bendita esperança (como os eruditos da oposição a definiam).


   O pós-milenismo foi declarado como estando morto, com nenhuma voz viva para se levantar em sua defesa. Se os seminaristas encontrassem vestígios dele nas obras dos Puritanos ou eruditos como Hodge e Warfield, eles eram advertidos a ignorar essa fraqueza na de outra forma impecável erudição bíblica daqueles homens: “Nós sabemos mais agora.” Como Hal Lindsey disse dos Reformadores, eles estavam em trevas no que diz respeito à profecia e sua interpretação.

   As coisas deterioraram-se ao ponto que o pós-milenismo foi efetivamente “assassinado”, como evidenciado pelo título do livro “Pré-Milenismo ou Amilenismo”, um título que nega implicitamente que o pósmilenismo seja uma opção legítima digna de consideração. Além de não ser um jogador, o pós-milenismo não estava nem mesmo no banco. Oswald T. Allis escolheu guardar seu pós-milenismo para si mesmo, preferindo o rótulo mais respeitável de “anti-quiliasta” (anti-pré-milenista), pelo menos até o tempo quando o livro de Roderick Campbell, Israel and the New Covenant [Israel e o Novo Pacto], foi impresso pela primeira vez. O pós-milenista Benjamin Breckinridge Warfield, um teólogo altamente respeitado do Seminário Teológico de Princeton, morreu em 1921. O dr. Loraine Boettner entrou em Princeton somente oito anos mais tarde - Warfield e Boettner nunca se encontraram. Mas Boettner se tornaria o único pós-milenista com testosterona espiritual suficiente para escrever, em meados do século 20, um livro que realmente defendia a posição pós-milenista. Era ele uma voz solitária, clamando no deserto, ou apenas um fóssil irrelevante? Em termos de influência no tempo, este velho cavalheiro cristão, firmado nos valores de uma geração anterior, foi convenientemente estereotipado como um retrocesso excêntrico a uma era menos informada. Avaliação: um fóssil.

   Mas então alguém novo apareceu na festa teológica. Uma silhueta de um estranho apareceu na porta de entrada. A música parou, e os seguranças olharam confusos. Um dos eruditos cristãos mais exímios do final do século vinte tinha entrado na questão da escatologia. O dr. R. J. Rushdoony, que tinha lido Warfield vorazmente em sua juventude, que tinha conhecido Boettner pessoalmente, não era apenas um pós-milenista, mas começou a promever a posição ativamente.

   Em 1970, seus comentários sobre Daniel e Apocalipse (Thy Kingdom Come) foram publicados. Em 1971, seu prefácio apareceu na antologia de J.Marcellus Kik intitulada An Eschatology of Victory [Uma Escatologia de Vitória]. The Journal of Christian Reconstruction (O Jornal da Reconstrução Cristã), que a Chalcedon publicava, convocou um Simpósio sobre o Milênio em 1976, enquanto 1978 viu a publicação de um breve, porém poderoso livreto, God’s Plan for Victory: The Meaning of Postmillennialism [O Plano de Deus para a Vitória: O Significado do Pós-Milenismo].

   Como os pós-milenistas esperam uma influência em longo prazo, Rushdoony não se importava com a ausência de resultados instantâneos, mas trabalhava pacientemente para edificar fundamentos que resistiriam à prova do tempo. O lento renascimento do pós-milenismo se assemelha ao milagre do fio de água que vira primeiro riacho e depois um rio, registrado em Ezequiel 47:1-6: movemos-nos desde uma ausência quase total de pósmilenistas até chegar ao tornozelo, até chegar ao joelho e em breve chegarão até a cintura e mais acima. “Viste isto, filho do homem?” (v. 6). Outros eruditos notáveis tinham subido no trem, escrevendo, ensinando, publicando, persuadindo, sendo direta ou indiretamente influenciados pela liderança de Rushdoony (e da Chalcedon). Pode ter sido verdade que na década de 1960, como Hal Lindsey afirma em seu best-seller The Late Great Planet Earth, nenhum erudito que se respeitava, ao olhar para as condições do mundo, chamaria a si mesmo de um pós-milenista. Era preciso alguém mais preocupado com a Escritura do que com o respeito próprio, mais preocupado com a lei-palavra de Deus do que com as condições mundiais, para alterar a direção do discurso escatológico. Rushdoony mudou a cara do debate milenarista no final do século vinte, muito antes de ser respeitável o fato de alguém ser um pós-milenista. No processo, ele não tornou o pós-milenismo apenas respeitável. Ele o tornou formidável!

Esse não é o Pós-milenismo do seu Pai. Ou é?


   Agora que o pós-milenismo está de volta ao cenário escatológico, seus críticos têm descoberto que têm um terceiro candidato nada bem vindo em suas mãos. Duas guerras mundiais não foram suficientes para matar essa teoria irrealista e super-otimista? Aparentemente não.
Os pós-milenistas do século dezenove tiveram que aprender algumas lições da história que poderiam ter aprendido mais facilmente nas scrituras, com respeito ao curso do império mundial como o concebe o pós-ilenismo.

   Eles pensavam que Deus estava para terminar de sacudir os céus e a terra (Hb.12:26-27), que a Pedra cortada sem auxílio de mãos humanas já tinha esmagado as nações e consumido-as, que o progresso em linha reta estava assegurado. Eles tendiam a ler as Escrituras em termos dos tempos (um fenômeno ainda difundido hoje em dia entre outras escatologias).

   Os pós-milenistas hoje foram libertos dessa tendência de andar por vista, de organizar os registros bíblicos para que se ajustem ao momento existencial, em vez de avaliar o momento existencial em termos da Palavra de Deus profética. Foram necessárias duas guerras mundiais para destruir essa influência, para ressucitar o pós-milenismo somente sobre a autoridade da Palavra e rejeitar a tentação de construir escatologias a partir da areia movediça dos eventos mundiais. Mesmo seus críticos concordam que o pó-milenismo moderno baseia toda a sua confiança em seu entendimento da Palavra, e não nos feitos do homem sobre a Terra. O comentário ousado de Greg Bahnsen, citando Romanos 3:4, passou a marcar a fé pós-milenista nas promessas de Deus: “Seja Deus verdadeiro, mas todo homem mentiroso”. Em face de um pós-milenismo revigorizado, os críticos têm abordado a teoria a partir de alguns novos ângulos, procurando uma fissura conveniente na armadura. No caso de Rushdoony, era impossível relacionar o seu pósmilenismo com o milenarismo do evangelho social de Rauschenbach ou dos unitários (pós-milenismo não elaborado com base na Palavra, mas sobre uma confiança humanista num evangelho fundamentalmente estatista). Mas o envolvimento de Rushdoony inspirou um novo rótulo, uma nova classificação.

   De repente, o pós-milenismo de Rushdoony foi denominado de pósmilenismo teonômico, para distingui-lo do pós-milenismo “mais bondoso, gentil e suave” do passado, afetuosamente chamado de pós-milenismo evangélico.

   Os partidários do amilenismo e do pré-milenismo na verdade não tinham nenhuma afeição pela forma anterior de pós-milenismo, sem dúvida, mas ao se referirem a ele nostalgicamente como “mais suave”, davam a entender que o pós-milenismo de Rushdoony era implicitamente áspero: um bicho inteiramente novo. Os polemistas introduziram uma cunha argumentativa entre pós-milenismo teonômico e pós-milenismo evangélico. Na prática estavam dizendo: “Se você tem que ser um pós-milenista, seja um da velha escola como os calmos Boettner, Hodge ou Warfield, os sujeitos agradáveis da quadra que não faziam barulho”. Visto que os teonomistas são desagradáveis e divisivos, o pós-milenismo teonômico é simplesmente a mesma coisa. Na verdade, provavelmente seja pior: ensina o triunfo da teonomia. Que necessidade temos de testemunhos adicionais?

   A implicação levantada é que, visto que a forma anterior é “evangélica”, a forma moderna não é evangélica. A escolha dos termos não é acidental, mas destinada a projetar nos pós-milenistas de hoje uma luz negativa, por inferência, se não explicitamente.

   Não pode ser negado que Rushdoony forneceu uma espinha dorsal para o pós-milenismo moderno. Foi isso verdadeiramente uma inovação? Dificilmente. A maioria dos Puritanos era pós-milenista, e estavam muito mais perto dos ensinos éticos de Rushdoony do que das teorias da lei propostas pelos envangélicos modernos (e.g., dr. Norman Geisler, etc.). Mesmo se não considerarmos a sua oposição firme ao contingente antinomianista, a maioria dos Puritanos representava um movimento teonômico incipiente notavelmente forte.
Muitas passagens-chave pós-milenistas têm um conteúdo teonômico evidente. O Novo Pacto não envolvia apenas que cada um, do menor ao maoir, conhecesse ao Senhor, mas também envolve Deus escrevendo Sua lei em seus corações e mentes (Jr. 31:33; Hb. 8:10, 10:16). A profecia em Isaías 42:1-4 conclui afirmando que as ilhas aguardarão pela lei de Deus, enquanto Isaías 2:3 fala da lei radiando em todo o mundo. Existem dezenas de passagens semelhantes, e seu significado certamente não escapou aos Puritanos.

   O pacote “pós-milenismo teonômico” não é novo, nem Rushdoony o inventou. Ele meramente ajudou a colocar o pós-milenismo de volta ao seu lugar apropriado, depois que os defensores da forma evangélica e mais suave da teoria viram seus pontos de vista apropriadamente enfraquecidos pelo século mais sangrento da história humana registrada. O pós-milenismo tinha se desenvolvido longe do componente teonômico que estava no centro da esperança Puritana. Rushdoony apenas reacoplou o que os anteriores teólogos pós-Puritanos tinham permitido se apartar. Nas palavras de Isaías 58:12, Rushdoony se tornou um reparador de brechas.



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