6 de julho de 2011

O impacto de Rushdoony Parte - 2

Rushdoony e os “Ismos” Hermenêuticos


     Rushdoony tinha suas preferências ao tratar com o livro de Apocalipse.
Ele adotou a abordagem idealista. O idealismo trata a maior parte do livro como lidando como o período inteiro entre os adventos de Cristo, não necessariamente na ordem cronológica, com algumas passagens se referindo a coisas celestiais em vez de terrenas. Em outras palavras, o idealismo é uma abordagem do Quadro Geral: Apocalipse cobre muitos séculos de tempo.

     O historicismo concorda com o idealismo que o Apocalipse descreve o período inter-advento, mas diferente dele, vê uma clara sucessão cronológica na narrativa de João. O comentário do dr. Francis Nigel Lee sobre Apocalipse é um forte exemplo de uma obra pós-milenista escrita a partir da perspectiva historicista. O dr. Rushdoony e o Dr. Lee tinham as melhores relações, e Rushdoony respeitava e apoiava o historicismo do Dr. Lee, a despeito de sua preferência permanente pelo idealismo.

     O preterismo parcial trata Apocalipse predominantemente como uma descrição do divórcio de Deus de Israel e seu despojamento. Entende-se que o livro foi escrito antes da queda de Jerusalém com base numa evidência interna reconhecidamente forte. À luz disso, poderia se considerar que a maior parte de Apocalipse cumpriu-se no primeiro século depois de Cristo. Rushdoony não somente respeitava o preterismo parcial, mas apoiou a publicação de comentários que promoviam essa abordagem do livro de Apocalipse. Ele fez isso, embora em última instância discordasse desses volumes, o que indica a importância que ele atribuía em estender a erudição bíblica a todas as áreas plausíveis que fossem relevantes para a questão pós-milenista.

     O leitor deveria observar que nenhuma dessas abordagens para interpretar Apocalipse são intrinsecamente pós-milenistas. Por exemplo, entre os amilenistas alguém pode encontrar idealista (e.g., William Hendriksen) e preteristas parciais (e.g., Jay Adams). O futurismo (associado primariamente com a erudição pré-milenista) também pode cruzar fronteiras teológicas.

     Portanto, qualquer abordagem hermenêutica de Apocalipse pode seguir uma das diversas encruzilhadas teológicas que se apresentam no caminho. A tenda teológica de Rushdoony é maior que a maioria dos seus discípulos estaria disposto a considerar. Uma fração significante deles tem optado pelo preterismo parcial como a última palavra na interpretação profética, uma visão que Rushdoony teria rejeitado. Acho que ele concordaria com a minha avaliação que, num exame criterioso amigável, o preterismo parcial deve ser freqüentemente tirado do Pedestal da Certeza para o mais modesto Palco da Plausibilidade, isto é, que é prematuro tratar o preterismo parcial como se esse fosse canônico.

     Mas Rushdoony desejava ardentemente que esse espírito de exame detalhado continuasse e que fosse praticado no melhor espírito da erudição conservadora cristã. A abordagem da sua grande tenda só poderia reforçar o pós-milenismo, segundo ele entendia. Os campos entrincheirados de hoje não adotam a abordagem inclusiva de Rushdoony. Os herdeiros de Rushdoony receberam sua perspectiva pós-milenista, mas têm colocado as suas heranças hermenêuticas numa única cesta. O grande milagre é que há o suficiente de pós-milenistas ao nosso redor para discordar sobre o assunto. Estaríamos numa melhor forma se mais eruditos pós-milenistas adotassem a posição do dr. Kenneth Gentry, que é em primeiro lugar um pós-milenista, e somente depois um preterista parcial. Quando as prioridades sábias prevalecem, segue se um progresso contínuo.


O que dizer sobre a Teologia da Substituição?


     Muitos cristãos são sensíveis ao lugar de Israel no plano para o futuro, particularmente com respeito às antigas promessas que Desfez solenemente. Muitos dispensacionalistas (ainda que não todos) estão dispostos a criticar qualquer usurpação ou violação aparente das promessas feitas a Israel, promessas às quais eles afirmam a Igreja não ter direito. É sustentado que ao se confundir a Igreja com Israel, a teologia se torna perigosamente distorcida. Se as promessas percebidas como tendo sido feitas a Israel são aplicadas à
Igreja, arrazoam estes eruditos, então o que temos aqui é uma substituição ou reposição de Israel pela Igreja. A posição criticada tem recebido muitos rótulos: teologia da reposição, teologia da substituição, substitucionismo ou suplantacionismo (a igreja suplanta a Israel), etc., mas a idéia fundamental sendo criticada é a mesma: tal posição rouba a Israel.

     À primeira vista, um estacionamento não se parece com um seminário muito bom, mas R. J. Rushdoony por um breve tempo transformou um estacionamento de Los Angeles num seminário para o meu benefício em 1981, explicando o significado de Isaías 19:1825 enquanto o barulho do trânsito rugia atrás de nós. Os três versículos finais dizem assim:

Naquele dia haverá estrada do Egito até à Assíria, e os assírios virão ao Egito, e os egípcios irão à Assíria; e os egípcios servirão com os assírios. Naquele dia Israel será o terceiro com os egípcios e os assírios, uma bênção no meio da terra. Porque o SENHOR dos Exércitos os abençoará, dizendo: Bendito seja o Egito, meu povo, e a Assíria, obra de minhas mãos, e Israel, minha herança. 23-25

     Por que Israel não é o primeiro? Qual o motivo de Israel ser mencionado como “o terceiro” (v. 24)? Porque a profecia de Isaías ensina que o Egito e a Assíria servirão fielmente a Deus antes de Israel fazê-lo. Na verdade, o Egito construirá um altar que Deus honrará (v. 19) e jurará pelo nome de Jeová e fará votos e oferecerá ofertas a Ele (v. 21). Os inimigos de Israel entram no Reino de Deus primeiro. A discussão de Paulo em Romanos 11 é um comentário extendido sobre essa passagem de Isaías 19. Todos os gentios entrarão (representados por Egito e Assíria), e então Israel será salvo (tornar-se-á a terceira parte, sequencialmente).

     O pós-milenismo concorda com Paulo que muitos ramos foram quebrados por causa de incredulidade (Rm. 11:20), mas Deus é capaz de enxertá-los de volta. Se Deus enxerta Israel de volta, como é que Israel perde alguma de suas promessas? Rushdoony, apoiando a abordagem Puritana de Romanos 11:25-26, revelou o ponto fraco de seus críticos. Se há alguma substituição, como é sancionado pelo grande profeta Isaías do Antigo Testamento, ela é claramente temporária. Deus é capaz de enxertar de novo os ramos naturais, assim como Ele enxertou os ramos silvestres (os gentios). Que Ele faz isso no sentido plenamente literal das palavras que aparecem em Romanos 11:25-26 é o que as formas mais puras de pós-milenismo ensinam incessantemente.

     O pós-milenismo, como recebemos dos últimos escritos de Rushdoony sobre o tema, não nos dá uma teologia de reposição, mas sim uma teologia de reenxerto. Este retorno do pensamento Puritano para o pós-milenismo é talvez outra razão pela qual a versão de Rushdoony foi chamada de pós-milenismo teonônimo para distingui-lo da teologia evangélica, que por seu tom estava mais próximo de um amilenismo otimista e também com respeito ao assunto do suplantacionismo. Ao limpar o caminho traçado pelos Puritanos, o pó-smilenismo se tornou mais imune à acusação, a qual pode ser vista estar, no mínimo, seriamente fora do lugar. Isso é especialmente verdadeiro com respeito à exposição de Rushdoony sobre Gálatas 4:22-31. É porque a Jerusalém física corresponde à escrava Agar (v. 25), e portanto deve ser lançada fora e não se tornar uma herdeira juntamente com o filho da livre (v. 30), que a promessa ao Israel genético não pode se realizar à parte do reenxerto dos ramos naturais dos quais Paulo fala em Romanos 11.

     Resumindo: Rushdoony não promoveu uma teologia de reposição, mas sim uma teologia de reenxerto. Entre essas duas há toda a diferença do mundo.

Rushdoony, o Inovador:
Tomando a Pílula Vermelha


     No filme Matrix, as pessoas escravizadas ao sistema recebiam uma oportunidade. Uma pílula vermelha e uma pílula azul era apresentada a elas. Tome a pílula azul, e você acordará crendo no que você quer crer, com o status quo preservado. Tome a pílula vermelha, e você verá quão fundo é o buraco do coelho, e sua vida mudará radicalmente como conseqüência do despertar concomitante.

     O monógrafo de Rushdoony de 41 páginas, God’s Plan for Victory: The Meaning of Postmillennialism, é essa pílula vermelha. Ele é pequeno e despretensioso. É realmente uma exposição muito pobre do pós-milenismo, particularmente a partir de um ponto de vista exegético. Esse não é o propósito desse breve livro: esta tarefa é deixada para outros volumes e outros eruditos. Este livro se propôs a uma tarefa absolutamente singular e notável, e obteve êxito de uma forma revolucionária. Neste volume, Rushdoony expõe o significado de uma escatologia para a vida real, seu efeito sobre o caminhar cristão e no mundo como um todo. Uma leitura superficial poderia levar o principiante a crer que é uma peça de rajada teológica. Uma leitura cuidadosa revela que Rushdoony preparou uma dinamite cultural numa forma altamente compacta. Ele chega perto de ser um livro “para aqueles que têm ouvidos, ouçam”. Os que estão casados em primeiro lugar com uma escatologia e com a ética bíblica em segundo lugar, deixarão o livro de lado. Aqueles que percebem que Deus nos julga por nossos atos e não por nossas orientações teológicas, continuarão para encontrar alimento para a mente ali, sejam eles amilenistas, dispensacionalistas ou indecisos. Homens que dirigem suas vidas, não pelo que eles sentem que a Escritura prediz, mas pelo que sabem que a Escritura ordena, colocarão Rushdoony ao seu lado. É apropriado que suas críticas estejam necessariamente dirigidas à maioria, mas não àqueles que são fiéis à Palavra de Deus.

Considere esses importantes insights que Rushdoony compartilha em
God’s Plan for Victory (ênfase adicionada):

     Se, em termos de Mateus 6:33, cremos que o Reino de Deus e sua justiça têm prioridade em nossas vidas, então não teremos uma visão da salvação centrada no eu…

     Com grande freqüência os homens retêm aspectos desse pecado original ao insistir que a salvação é o centro do plano de Deus. Deus busca a Sua própria glória e propósito; nosso lugar em Seu plano não é o centro…

     É arrogante para o homem, em divergência clara da Palavra de Deus, ver a si mesmo como mais importante no plano de Deus que o próprio Deus! Tal visão é um eco do pecado original do homem. (p. 3)

     Uma atitude antinomiana garante a impotência e a derrota de todas as igrejas que a mantém. Elas podem prosperar como conventos ou retiros do mundo, mas nunca como um exército conquistador de Deus.

     [Conseqüentemente], o papel da Igreja… é o de ser, não apenas uma agência de salvação de almas, mas também um convento, um retiro do mundo horrível ao nosso redor… o Protestantismo transformou a Igreja toda num retiro do mundo, faltando apenas o celibato sacerdotal. Os homens são chamados a retirar-se do mundo para a igreja. (p. 11)

     Um erudito secular, George Shepperson, comentou: “O pré-milenismo sempre significa uma profunda desconfiança nas forças ortodoxas de reforma abertas à sociedade”. Esse é um ponto de grande importância… os grupos milenaristas são hostis à reforma e reconstrução… Em minha experiência dentro de uma das principais igrejas norte-americanas, vi pré-milenistas deliberadamente, e por declaração expressa diante de mim, chegar tarde em reuniões-chave onde seu voto poderia ter conduzido à reconquista de um sínodo, pois recusavam estar envolvidos numa tentativa de “reformar” a igreja; isso era para eles uma atividade “não-espiritual”, e eles se sentiam seguros que a apostasia era algo ordenado por Deus como um prelúdio do “arrebatamento”. (pp. 20-21).

     O Pietismo via a vida em termos essencialmente emocionais e pessoais… o objetivo do homem era visto como umas férias eternas com o Senhor. O Pietismo produziu uma vida superficial: intelectual e vocacionalmente. (p. 27)

     Uma falácia das visões pré-milenista e amilenista é a suposição comum que a Queda frustrou de alguma forma o propósito original de Deus como apresentado no Éden. Mas Deus nunca é frustrado, e nem pode ser. Crer nisso é ser um humanista, e o humanismo, onde quer que esteja, deve ser estrangulado, pois assume que os caminhos do homem devem prevalecer sobre os caminhos de Deus. (p. 28)

     Aposentadoria é um princípio moderno, a reprodução secular da idéia de um arrebatamento… O arrebatamento e a aposentadoria são assumidos falsamente e significam uma rendição; eles consideram uma retirada de exercer o domínio como um privilégio, ao invés de uma tragédia ou sofrimento. (p. 29)

     A geração do arrebatamento é a geração inútil. (p. 38)

     Há uma multidão de excelentes recursos que servem de apio exegético para o pós-milenismo: os históricos, procedentes dos grandes eruditos bíblicos dos séculos passados, e um número sempre crescente de livros e conferências modernos, que são cada vez melhores. Mas entender o significado dessa abordagem das Escrituras significa captar as implicações dessepioneiríssimo monógrafo de Rushdoony.


O Ponto Final


     No segundo volume da Systematic Theology de Rushdoony,ele investiga o significado do termo escatologia (e é ainda mais diligente nesse sentido durante a conferência gravada que deu origem ao texto escrito). Nas páginas 785-786, ele observa que o termo pode se relacionar, não apenas com os tempos finais para o mundo, mas com um ponto final. Como diz Rushdoony: “o ponto final pode chegar com a morte de um homem, o julgamento de uma família, de uma instituição, ou de um povo. Nesse sentido, a história está continuamente testemunhando pontos-finais ou eschatons” (p. 785).

     Por que essa distinção é tão crucial? Não é um desvio ou distração da assim chamada escatologia cósmica, o fim do mundo, etc.? Esse negócio de ponto final é ao menos importante?

     Sem dúvida! O homem moderno usa muitos modelos diferentes para descrever, por exemplo, o destino de uma nação ou cultura. O modelo balísticofoi popular no passado, no qual encontramos a linguagem de trajetórias para descrever culturas, como no livro The Rise and Fall of the Roman Empire [Ascensão e Queda do Império Romano]. O modelo orgânico, que compara culturas e sociedades com um ser vivo, também já foi popular, e nele se alude ao nascimento, infância, adolescência, maturidade, envelhecimento e morte de uma nação ou cultura. Você notará que todos esses modelos omitem Deus e Seu governo providencial sobre o mundo. O destino das sociedades humanas não se expressa em termos de sua fidelidade ao pacto ou ausência desta, mas descansa sobre a suposição da inexistência de Deus ou (o que equivale ao mesmo) Sua irrelevância.

     É aqui onde a abordagem da escatologia por Rushdoony entra em novo terreno crítico, pois ela vê a mão de Deus o Senhor em ação contínua, refletindo através disso, Sua fidelidade à Sua própria Palavra. Muitos cristãos hoje estão encarando o futuro à espera do desenrolar de um suposto cenário do fim dos tempos, mas estão cegos para os pontos-finais culturais, eclesiásticos e pessoais que estão se revelando desde a sala do trono de Deus, diante dos olhos deles; pontos-finais que nos afetam diretamente.

     O pós-milenismo é freqüentemente criticado por tornar a escatologia irrelevante e distante, como se tudo o que oferecesse fosse uma viagem indiferenciada a uma meta bem remota. Alguns desejariam que essa caricatura fosse verdadeira. A realidade é: Rushdoony tomou a escatologia na direção inteiramente oposta. Escatologia não mais significa discernir a coreografia de Deus no fim do mundo. Escatologia significa que Deus coloca um fim na sua cultura, na sua igreja e em você mesmo, no tempo que Ele apontou, de acordo com o Seu pacto. Rushdoony extraiu a escatologia do Salmo 27 para fora do presumidamente seguro Saltério, e desatou seu poder bruto no meio das nossas confortáveis salas de estar, santuários de igrejas, salas de aula e salões do governo.

     Como, então, poderíamos resumir a influência de Rushdoony sobre a escatologia, seu impacto sobre o estudo dos eschatons e dos pontos-finais?

Um bom começo.


Martin G. Selbrede, Vice-Presidente da Chalcedon, vive em Woodlands, Texas. Martin é o Cientista Chefe na UniPixel Displays, Inc. Ele tem sido um defensor da Chalcedon Foundation durante um quarto de século.


Fonte: Faith for All of Life, Nov/Dez 2007, p. 24-29

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